sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

São João - Filhos Ilustres III




V - João Santos, filho do major Honório Francis­co dos Santos e de D. Maria Luiza de Pinho Santos, foi o sucessor do pai na política do município. Elegeu-se intendente municipal em dois períodos sucessivos, mas não concluiu o segundo, interrompido pela revolução de I930, que deu uma nova ordenação política em todo o País.
Administrando a comunidade com recursos arre­cadados dentro do município, sem suprimentos emana­dos do governo federal ou estadual, João Santos pode ser considerado um dos maiores prefeitos que tivemos, pelas obras realizadas. Construiu as estradas carroçáveis, ligando nossa cidade às de São Raimundo Nonato e Simplício Mendes, as quais inaugurou pessoalmente com o automóvel de sua propriedade, marca Ford, ano 26, e edificou moderno açougue para venda de carnes, até então expostas em qualquer local da cidade. Esse prédio ainda hoje existe, conhecido pelo nome de açougue ve­lho. A realização mais importante do intendente biogra­fado foi no setor do ensino, pela instalação da escola Pedro Borges, com equipamentos e mobiliário moderníssimo, adquiridos no Pará. A professora, Honorina Neiva Be­zerra veio do Maranhão, com muita competência e efici­ência, e revolucionou nosso ensino, então ministrado por mestres-escolas. Eu conto de experiência esses episódios, porque fui um dos alunos dessa escola, juntamente com José Damasceno Santos, Inês Santos Rocha e Natália Paes Landim, que lá estudaram também e podem dar seus de­poimentos. Isso ocorreu na década de 20, por conseguinte São João avançou 30 anos no seu progresso, por força des­sa administração.
João Santos deixou o cargo empobrecido de tal forma, que tinha dificuldade de manter a casa, com a filharada toda de menor idade. Em 1934, por força do desdobramento do cartó­rio único da comarca, ele foi nomeado Tabelião do Se­gundo Ofício, depois passou para o Primeiro Ofício, onde se aposentou, E a política? Nunca desprezou, sempre fiel a seu partido e leal aos amigos, Nas horas difíceis da mi­nha vida política, João Santos era um dos primeiros a che­gar com sua solidariedade, oferecendo-se para prestar serviços. Na revolta dos Cronemberger, quando a famí­lia se reuniu no seu feudo, com propostas de rompimen­to e luta renhida, o velho João Santos desceu à Ribeira e trouxe de volta a pacificação. No rompimento dos Car­valho, convocou os filhos e advertiu que tinha compro­missos partidários mais fortes que os de família, por con­seguinte queria todos firmes no PSD. Em seguida me procurou para dar irrestrito e decisivo apoio, colocando seu nome à minha disposição para disputar qualquer elei­ção, pelo que saiu como candidato a Vice-Prefeito. No pleito seguinte, disputou novamente o mandato de Vice-Prefeito, em coligação com o Costa Neto, assumindo a Prefeitura nos seis meses finais do mandato.

O velho Janjão, como era conhecido, era um ho­mem político por herança e formação do pai, lutando ardorosamente por seu partido, enquanto as forças o permitiram. Foi presidente do diretório municipal do PMDB até falecer, quando eu o substituí. No seu sepultamento, quando o féretro ia baixar à sepultura, fiz um discurso emocionado de despedida desse grande amigo, correligionário e companheiro que tive em vida.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

São João do Piauí - Filhos Ilustres II


Praça Noé Carvalho - Dia de Feira (Arquivo Elias Laurentino)

V - Elpídio Cronemberger. Descendente de ale­mão, fixou residência na fazenda Barra, localizada na data Cachoeira, à margem do rio Piauí, hoje pertencente ao município de Ribeira do Piauí. Coronel da Guarda Naci­onal, dedicou-se à criação de gado, de onde tirava sua manutenção, até que surgiu o alto preço da cera de carnaúba, que o tornou dono de apreciável riqueza. Casou-se duas vezes, constituindo uma família numerosa, morando sempre na sua casa de fazenda, Depois de avan­çada idade, adquiriu casa em São João do Piauí, para onde transferiu sua residência, até falecer. Os filhos que mais se destacaram: Almir de Carvalho Cronemberger, for­mado em medicina pela Faculdade da Bahia, montou clí­nica em Canto do Buriti, São Raimundo Nonato, interior do Estado de São Paulo e depois Rio de Janeiro, onde se aposentou e reside atualmente; Heli de Carvalho Cronemberger, que foi residir na cidade de Canto do Buriti, onde exerceu a profissão de comerciante e, como político, foi duas vezes eleito prefeito do município; Elpídio Cronemberger Filho, o caçula, acompanhou os pais para São João do Piauí, onde se casou e exerceu atividades comerciais. Ingressando na política, foi eleito Vereador por dois mandatos.
VI- Francisco Ferreira de Carvalho, um dos ho­mens de maior respeitabilidade da comunidade, pai de família exemplar, prole numerosa, exerceu o cargo de coletor estadual. Criador de gado, possuía a fazenda Lagoa do Taboleiro, onde fica situada a barragem do Genipapo. Conservava sempre um alinhado cavanha­que, que lhe dava destaque e elegância. Faleceu em idade avançada.
VII- Joaquim Paulo, coronel da Guarda Nacional, chefe da família Paulo e líder político, que fazia oposição aos Carvalho. Por conseguinte foi aliado permanente do Dr. Joaquim Vaz da Costa, nas lutas políticas do municí­pio. Foi honrado com o nome de uma rua.
VIII- Sabino Paulo, solteiro, era membro destaca­do da família Paulo e muito dedicado à política, como um dos braços direitos e homem forte do partido. (Os partidos naquelas épocas não tinham nome, eram o partido dos Carvalho, dos Costa e dos Paulo.) Sabino era sem­pre radical contra os Carvalho. Mantinha permanente­mente o cargo de delegado, quando sua família estava no poder. Foi seu substituto no patrimônio e na política o filho David Paulo Alves, que ganhou destaque com os cargos que exerceu: Vereador, Vice-Prefeito e Deputado Estadual.
IX- Antonio Cavalcante (Travessa). Nascido no interior do município, era tenente da Policia Militar e, como tal, exerceu a delegacia de polícia na década de 20. Homem de algumas letras, dedicado aos estudos, fundou uma escola primária, que recebia crianças e jo­vens. Eu mesmo fui seu aluno, com a idade de seis anos, sendo essa a minha primeira escola. Rigoroso com os alunos, usava um pouco da disciplina mantida na caserna e copiou o modelo do exército romano, ao dividir os alunos em grupo de 10 (decúria) para confiá-los a um instrutor, que chamava decurião.
Faleceu no começo da vida, deixando viúva D. Mantinha, que se casou com seu irmão Paulo Cavalcante. (Ambos já faleceram.) Deixou dois filhos, Nilo e Pedro Cavalcante, o primeiro paralítico, há cerca de 45 anos, e o segundo residente em Teresina.
(Nota: Nilo já é falecido)
X - Ernesto Carvalho (Rua). Esse cidadão era fi­lho de Rodrigo Carvalho e D. Lavínia Ferreira de Carva­lho. Não teve estudos, mas com sua inteligência privile­giada adquiriu notáveis conhecimentos jurídicos, credenciando-o a se tornar famoso advogado prático, capacitado a concorrer com bacharéis em direito em cau­sas importantes nas comarcas de São João do Piauí, Simplício Mendes e Canto do Buriti. Sempre que seu partido subia na política, era convocado a exercer o car­go de Promotor, já que os togados não aceitavam as comarcas mais distantes da capital. Assim passou a vida inteira, caindo e levantando, sempre inseguro no cargo e nas finanças.

Em 1947, quando eleito deputado estadual, levei para a Assembleia Constituinte uma proposta salvadora. Assim é que propus e foi aprovado, com os protestos da UDN, um artigo nas disposições transitórias, que torna­va efetivo com todos os direitos, vantagens e garantias concedidas aos promotores togados ou Adjunto que te­nha permanecido no exercício do cargo por mais de 20 anos. Promulgada a Constituição de 1948, juntamente com outros dispositivos esse foi aprovado perante o Su­premo Tribunal Federal. Reassumiu o cargo, do qual ti­nha sido demitido por decreto político do governador Rocha Furtado, sendo congratulado pela família, os ami­go e pelo PSD, partido dominante na época. Não mais foi incomodado e faleceu aposentado no cargo com os vencimentos, que eram gordos. Deixou três filhos já fa­lecidos: Luiz Carvalho, Elisabete Carvalho e Francisco Assis Rosado de Carvalho.

XI- Cândido Coelho (Avenida). Pernambucano chegado a essa terra em fins do século XIX, deixou uma prole muito grande: 13 filhos. Dedicado à agricultura, foi capitão da Guarda Nacional. Seu filho primogénito, já fa­lecido, José Rodrigues Coelho, vulgo José Doutor, exer­ceu por muitos anos o cargo de juiz de Direito Substitu­to. Seu neto, José da Luz Coelho, foi prefeito do municí­pio, na década de 50.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

São João do Piauí - Filhos Ilustres I



Em 1948, depois de um longo período de ditadu­ra, Rodolfo Pereira de Sousa foi eleito e empossado Pre­feito do município, juntamente com sete vereadores, de que se compunha a Câmara Municipal
Entre as realizações da nova administração, uma foi produto de acordo do Prefeito com os vereadores dos dois partidos então existentes: a revisão dos nomes dos logradouros públicos da cidade. Essas honrarias eram reservadas para homenagear personalidades ilustres da política, das letras e da ciência. Assim tínhamos as ruas Getúlio Vargas, Rui Barbosa, Floriano Peixoto, Coelho Rodrigues, Alvaro Mendes e de outros varões da pátria, sem constar uma rua sequer dedicada a filho da terra.
Do entendimento realizado entre os novos admi­nistradores, que foi transformado em lei, os papéis se inverteram: os homenageados foram todos substituídos por conterrâneos, que aqui nasceram ou viveram e pres­taram serviço relevante ao torrão natal. Na época, essas ilustres personalidades eram conhecidas por força da tra­dição oral, mas a nova geração de hoje fica interrogando quem é quem nas placas lidas nas paredes.
Assim sendo, resolvemos dar ligeiros traços bio­gráficos desses entes queridos, que dormem o sono eter­no nos cemitérios.
I - Honório Santos (praça), nascido na cidade de Riacho de Casa Nova, do estado da Bahia, aqui chegou solteiro e se casou duas vezes, deixando uma prole nu­merosa. Foi comerciante, proprietário da "Loja Grande", fazendeiro, na localidade Taboleiro Alto, à margem do rio Piauí; político, elegeu-se duas vezes Intendente Mu­nicipal e chefiou por muitos anos o partido da família Carvalho, quando sustentou duras pelejas contra os ad­versários, que tinham como líder maior o advogado, pro­motor e juiz Joaquim Vaz da Costa, depois desembargador do Tribunal de Justiça. Morou todo esse tempo em uma casa modesta, situada na esquina da praça que tem o seu nome. Outra honraria que conquistou na terra adotiva foi a patente de Major da Guarda Nacional, tornando-se conhecido por Major Honório, dentro e fora do municí­pio. Perdeu a política, o prestígio e a patente em 1930, por força da revolução vitoriosa de Getúlio Vargas.
II - Herculano Carvalho (praça), proprietário da Casa do Bugio, rico fazendeiro e senhor de escravos, influente na política, por força do nome e do prestígio da família. Seu filho, Manoel Clementino de Carvalho, foi deputado estadual por duas legislaturas, contemporâneo e companheiro do major Honório e com ele caiu na re­volução de 30. Outro filho ilustre - Benedito Clementino de Carvalho - exerceu durante toda a vida o cargo de Coletor Federal em São João do Piauí.
III- Noé Carvalho (praça do comércio) era filho de Francisco Ferreira de Carvalho, casado com D. Letícia Cecília de Sousa, teve grande destaque no comércio lo­cal. Depois de adquirir apreciável capital, levantou vôo para outras terras, indo esbarrar no povoado França, do município de Jacobina, no estado da Bahia. Lá abriu casa comercial, mas a saúde não o ajudou. Acometido de pertinaz doença, foi mal sucedido e regressou depois de cinco anos, para encontrar a morte entre os parentes.
Deixou três filhos: João Batista de Carvalho, que foi comerciante e vereador; José Pereira de Carvalho, Agente de Estatística, e Maria Cleusa de Carvalho, to­dos já falecidos.
IV- Ministro Pedro Borges (Travessa). Quem era esse cidadão? Nascido da fazenda Bugio, interior deste município, era filho de Raimundo da Silva Borges e Isabel Ferreira de Carvalho. Formou-se em direito, exerceu o mandato de Deputado Federal, foi Juiz Federal em Teresina e Ministro do Tribunal de Segurança Nacional, no Rio de Janeiro. Aposentou-se e regressou ao Piauí, fixando residência em Teresina, onde faleceu.
Seu filho, Pedro Borges Filho, era major do Exército Nacional, foi comandante do Batalhão da Policia Militar, exer­cendo a seguir o mandato de deputado estadual.

Agora perguntam (e eu respondo) quem foi Raimundo da Silva Borges, pai do Ministro Pedro Borges. Nascido em São João do Piauí, Doca Borges, como era conhecido, transferiu residência para a nascente cidade de Floriano, onde foi uma das personalidades mais ilus­tres. Deputado Estadual por 12 mandatos, Vice-Governador, assumiu por seis meses o Governo do Esta­do, foi um dos dirigentes da política do Piauí, na Repú­blica Velha, chamado e reconhecido como chefe do sul do Estado.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Década de 30 - Mundico Laurentino II

Raimundo Pereira de Sousa, conhecido por Mundico Laurentino  ia realizando a bom termo sua proposta de pacificação da sociedade, que viveu muitos anos dividida em consequência da radicalização política. O clima agora era bem diferente. As festas eram realiza­das sem preocupação de atritos ou mal estar entre os participantes.
Mas as cidades em formação não crescem e se desenvolvem com a mesma mentalidade. Há sempre os presunçosos e mal educados, que se rebelam contra as regras de boa educação social.
Foi o que ocorreu em São João, onde pequenos grupos pertencentes às famílias numericamente grandes, mas pequenas no conceito e prestígio social, não aceita­ram a convocação para a paz e se constituíram focos de atrito e temor nas festas de subúrbio e até no centro da cidade, não sendo muito fácil repeli-los, por causa do apoio recebidos de seus parentes, que não participavam dos atritos, mas funcionavam na retaguarda. Alguns vi­nham de São Paulo, falantes e pedantes, vestindo casimi­ra e ostentando um revólver, de que se tornavam inseparáveis. Por qualquer pretexto, acabavam com uma festa, sem encontrar reação. Cadeia para eles não exis­tia, porque seria afronta aos brios da família.
Nesse ambiente de dificuldade chega à cidade o Sargento Joaquim Sobrinho, que, ao tomar pé na situa­ção, foi ao Prefeito dizer que não tinha condição de con­viver com a desordem, necessitando do apoio dele e do juiz para uma ação saneadora. Agiu com moderação e energia, de modo que não durou muito para repor a ordem, pelo enquadramento de alguns e deserção de outros.
Foi nessa década que chegou o primeiro rádio em nossa cidade, adquirido com recursos levantados por subscrição popular. Os ganhos eram parcos e ninguém tinha padrão de vida que comportasse a compra de um aparelho.
O rádio foi instalado no salão nobre da Câmara Municipal, onde compareciam os ouvintes para audiên­cia todas as noites, tornando-se um local de reunião da cidade. Uns ficavam ao pé do rádio, para se inteirar das notícias, mas a maioria se postava na calçada, conversan­do e discutindo. Era comum a pessoa ter um assunto ou um negócio para resolver e tratar os acertos finais para a hora do rádio.
Foi nesse local que a cidade tomou conhecimento surpresa e perplexa do discurso do Presidente Getúlio Vargas, em 10 de novembro de 1937, derribando o re­gime, com o fechamento do Congresso, deposição dos Governadores e estabelecendo o Estado Novo, que durou oito anos.

Foi nesse mesmo rádio que se ouviu a notícia da eclosão da grande guerra mundial, que começou em 1939 entre Alemanha, Inglaterra e França e se espalhou pelo resto do planeta. O desenvolvimento da luta, as batalhas travadas e as adesões dos países ao movimento eram motivo de atração e presença nas noites de reunião no prédio da Câmara.

Nota: Laurentino por causa do nome de seu pai

Década de 30 - Mundico Laurentino II

Raimundo Pereira de Sousa, conhecido por Mundico Laurentino  ia realizando a bom termo sua proposta de pacificação da sociedade, que viveu muitos anos dividida em consequência da radicalização política. O clima agora era bem diferente. As festas eram realiza­das sem preocupação de atritos ou mal estar entre os participantes.
Mas as cidades em formação não crescem e se desenvolvem com a mesma mentalidade. Há sempre os presunçosos e mal educados, que se rebelam contra as regras de boa educação social.
Foi o que ocorreu em São João, onde pequenos grupos pertencentes às famílias numericamente grandes, mas pequenas no conceito e prestígio social, não aceita­ram a convocação para a paz e se constituíram focos de atrito e temor nas festas de subúrbio e até no centro da cidade, não sendo muito fácil repeli-los, por causa do apoio recebidos de seus parentes, que não participavam dos atritos, mas funcionavam na retaguarda. Alguns vi­nham de São Paulo, falantes e pedantes, vestindo casimi­ra e ostentando um revólver, de que se tornavam inseparáveis. Por qualquer pretexto, acabavam com uma festa, sem encontrar reação. Cadeia para eles não exis­tia, porque seria afronta aos brios da família.
Nesse ambiente de dificuldade chega à cidade o Sargento Joaquim Sobrinho, que, ao tomar pé na situa­ção, foi ao Prefeito dizer que não tinha condição de con­viver com a desordem, necessitando do apoio dele e do juiz para uma ação saneadora. Agiu com moderação e energia, de modo que não durou muito para repor a ordem, pelo enquadramento de alguns e deserção de outros.
Foi nessa década que chegou o primeiro rádio em nossa cidade, adquirido com recursos levantados por subscrição popular. Os ganhos eram parcos e ninguém tinha padrão de vida que comportasse a compra de um aparelho.
O rádio foi instalado no salão nobre da Câmara Municipal, onde compareciam os ouvintes para audiên­cia todas as noites, tornando-se um local de reunião da cidade. Uns ficavam ao pé do rádio, para se inteirar das notícias, mas a maioria se postava na calçada, conversan­do e discutindo. Era comum a pessoa ter um assunto ou um negócio para resolver e tratar os acertos finais para a hora do rádio.
Foi nesse local que a cidade tomou conhecimento surpresa e perplexa do discurso do Presidente Getúlio Vargas, em 10 de novembro de 1937, derribando o re­gime, com o fechamento do Congresso, deposição dos Governadores e estabelecendo o Estado Novo, que durou oito anos.

Foi nesse mesmo rádio que se ouviu a notícia da eclosão da grande guerra mundial, que começou em 1939 entre Alemanha, Inglaterra e França e se espalhou pelo resto do planeta. O desenvolvimento da luta, as batalhas travadas e as adesões dos países ao movimento eram motivo de atração e presença nas noites de reunião no prédio da Câmara.

Nota: Laurentino por causa do nome de seu pai

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

DÉCADA DE 30: MUNDICO LAURENTINO

Raimundo Pereira de Sousa (Mundico Laurentino)

Construindo a Paz em São João do Piauí

Mandato: 1932 - 1945

Raimundo Pereira de Sousa, mais conhecido como Mundico Laurentino, era partidário dos Carvalho e os trouxe de volta para o poder, nomeando Ernesto Carvalho como Secretário, e Leolino Santos Sobrinho para tesoureiro da Prefeitura. Isto estava longe de significar a continuação da luta de família, pois sua primeira preocupação era promover a paz social, que foi conseguida sem muita dificuldade, pois a cidade estava cansada de tantas desavenças, ódios e sobressaltos. Fazendo uma administração justa na Prefeitura, na Coletoria e na Delegacia, foi conquistando a confiança coletiva, de modo a acabar com a divisão da cidade em duas sociedades rivais. Mundico Laurentino governou 13 anos consecutivos.
A cidade vivia no escuro, até que o novo Prefeito, Raimundo Pereira de Sousa, instalou iluminação pública, através de lampiões Petromax, que clareavam bastante as ruas, até às 10 horas da noite. Para os dias de hoje, pode considerar-se cedo, mas naquele tempo a cidade dormia nessa hora. Essa iluminação agradou bastante a população, por considerar que os recursos da Prefeitura não suportariam as despesas com eletricidade a motor.
As bandas de música da década anterior se acabaram, surgindo em seu lugar grupos musicais de pau e corda, O mais famoso era o de Camilo Amorim, que tocava violão, sendo seu braço direito Aristeu Lopes, no cavaquinho, que animava as festas, ao cantar as emboladas. Havia outros figurantes, que não eram fixos como esses dois. Os bailes começavam entre sete e oito horas da noite, terminando de dez para onze horas, precisamente quando começam as festas de hoje. Quem quiser mais detalhes, converse com Aristeu, que está vivo e lúcido. Ao lado dessas orquestras, havia também os tocadores de harmônica de oito baixos, sendo Manoel Vicente o mais importante.
A preocupação com o comportamento e o decoro das moças era grande entre as famílias da sociedade. "Moça falada" não podia dançar nos bailes, Testemunhei casos de senhoritas serem convidadas a deixar o salão, por essa razão. Como não existia clube, as festas se realizavam nas casas de família, que exerciam vigilância sobre os participantes. Quanto aos rapazes, o tratamento era outro. Somente em casos especiais de anarquistas e degenerados ocorria esse tipo de expurgo, mas a verdade é que não se transigia com a seleção na escala social. Existiam os bailes de primeira e de segunda.
Como a cidade não possuía água encanada, adotou-se o costume dos banhos no rio Piauí. Havia três banheiros para mulher: no beco do potão, no beco do major Honório e no beco da feira; e somente um para os homens, nas proximidades do beco do Manoel Luiz. Eram pequenos cercados na água, tampados com palha de carnaúba. Os banhos eram coletivos, reunindo as famílias, de acordo com as afinidades sociais e grau de parentesco. Como todos estavam seguros da inviolabilidade do local, ninguém usava maios, nem calcinhas, nem cuecas, ficando mesmo nos trajes de Eva ou Adão. A partir das oito horas, viam-se mulheres sair às ruas com toalhas às costas e saboneteiras nas mãos em direção do rio. Além do prazer do banho, se regozijavam com as conversas, passando em revista os acontecimentos do dia anterior, como se fossem verdadeiros jornais falados.
O banheiro dos homens era um só e nele se concentravam varões casados e rapazes. Os sabonetes eram também comuns, passando de mão em mão. Toalha nem se falava. Os viciados levavam uma garrafa de Januária e a brincadeira era generalizada. Diziam que estavam recebendo os perfumes e os encantos que do belo sexo, rio acima, se desprendiam nas águas correntes.

Com a substituição dos caciques nas lideranças partidárias e as ordens pacifistas do novo prefeito, os ânimos foram se acalmando, os homens e a mulheres de cada lado se entendendo, a paz reinando e todos mundo respirando aliviado, sem atritos, nem desconfianças. São João se preparava para entrar progressista na década de 40.

terça-feira, 24 de junho de 2014

São João Velho X São João Novo


Em 1928 chegou a nossa paróquia, como vigário. o Padre José Maria Leau, procedente da Alsácia Lorena, na França. Entendeu o Padre que a vetusta e feiosa imagem pequenina de São João Batista, que remontava aos tempos da construção da igreja, não condizia com os tempos modernizados. Encomendou então para sua terra outra imagem de São João Batista.

Em 1930, chegada a encomenda, o vigário fez a entronização solene do novo santo, em procissão partida de casa paroquial. Como estávamos na festa de junho, no dia 24 São João Novo desfilou garboso e triunfal, em procissão, pelas ruas do seu reinado: elegante, belo e grande, de braço erguido, falando às multidões da Palestina.

E o santo velho, como reagiu?

Como não era possível a existência de dois reis no mesmo trono, o vigário enterrou a imagem velha em uma sepultura na casa paroquial, como se tivesse falecido. A reação dos devotos foi de protesto. “Mataram nosso santo”, dizia a população mais radicalizada, e o mal-estar foi-se contagiando da cidade ao interior da grande paróquia.

A festa de 1931 foi de tristeza e frustração, com a presença do estrangeiro no altar e na procissão. Não era toda a população que reagia, mas a revolta alcançava grande parte dos devotos, especialmente pelo ato do sepultamento da imagem velha.

Aconteceu que no ano seguinte caiu sobre o nordeste, e muito acentuadamente sobre São João do Piauí, a grande seca de 1932, que deixou nosso município em situação de extrema penúria. Para se avaliar a extensão do flagelo, não se teve notícia de safra alguma de cereais em nossa terra. Enquanto isso, nos municípios vizinhos de Canto do Buriti e de ltaueira, as colheitas foram razoáveis, a tal ponto de abastecer nossa população. Comboios e mais comboios de jumentos e de burros iam e vinham constantemente a essas regiões, em busca de milho, feião, farinha e rapadura. O socorro maior recebido foi do governo do Estado, ocupado pelo Tenente Landri Sales Gonçalves, que instalou frentes de serviços para construir açudes e as duas estradas que nos ligam a São Raimundo Nonato e a Simplício Mendes.

Outro apoio que tivemos foi da lagoa  do Boqueirão, prodigiosamente inesgotável na produção de peixes. As suas margens se constituíram moradias de pessoas carentes, que pescavam dia e noite, parecendo um milagre de multiplicação.

À proporção que a seca ia se prolongando com suas funestas consequências, e a fome aumentando entre a população mais carente, firmava-se a crença de que o flagelo era castigo dos céus, pela maldade praticada contra o velho São João Batista, que contava quase um século de reinado profícuo na paróquia. Simultaneamente surgiu a ideia, que prosperava entre muitos paroquianos, de fazer-se uma reparação para aplacar a ira celestial, a fim de que chuvas abundantes voltassem o mais cedo possível a irrigar nossas terras. Formaram-se, então, duas correntes de opinião: uma a favor de São João novo e outra intransigente em favor do santo velho. A primeira se compunha da elite social da cidade, enquanto a segunda tinha seus adeptos fervorosos entre a massa sofredora, cujo argumento maior era a fome, má conselheira, que fazia o papel da liderança inexistente.

A única proposta que tomava corpo entre os inconformados e agitadores era a reposição de São João Batista velho no seu trono de honra. Sabiam, de antemão, que não contavam com a adesão do Vigário, de modo que só restava o apelo à força. Essas conversas chegavam até a cidade, cujos líderes e autoridades a recebiam inicialmente com desdém, depois com dúvida e finalmente com receio de que tal violência pudesse ocorrer.
 O foco da revolta mais decidida estava na colônia dos negros, que, nessa época, tinham residência compacta nos lugares Riacho do Anselmo, Boqueirão, Sacode e Lagoa de São João. Certo dia, a cidade foi tomada de pânico pela notícia de que os negros, homens e mulheres, se aproximavam da cidade, armados de espingarda, machados, foices, facas e facões, para depor o santo novo e levar São João velho ao trono de que fora espoliado.

Como notícia ruim corre ligeiro, a cidade ficou assustada e justificadamente temerosa. O padre José Leau era temperamentalmente tido como homem corajoso e valente. Pegou o rifle, que encheu de balas, suprindo-se de outras na capanga, e rumou para a igreja a fim de receber os negros.

O Prefeito despachou, tão logo foi possível, uns emissários montados a cavalo, para encontro com os incômodos visitantes e convencê-los a desistir da vinda suicida, porque seriam recebidos a bala. A cidade ficou tomada de angustiante expectativa, pois o quadro delineado na imaginação era preocupante e podia ser desastroso.

Os emissários enviados para parlamentar com os negros em conspiração, depois de percorrer as estradas dadas como trajetória deles, regressaram no mesmo dia, com informação de que não eram verdadeiras as versões que circulavam pela cidade. Embora estivessem solidários com São João velho e aceitassem a seca como represália da sua destituição e sepultamento, não havia planos de reação armada e violenta. Permaneciam em orações ao santo profanado para que perdoasse os inimigos e socorresse os devotos, enviando chuvas para todos.

A seca estava implacável. Além da ausência de alimentos, as águas escasseavam pelo esvaziamento dos açudes. Nessa época não se conheciam as máquinas perfuradoras de poços, de modo que secados os açudes, o apelo seria, como foi, a retirada dos animais para as margens do rio Piauí, ou de alguns riachos, onde a água aflorava pela escavação feita a braços de homem. A situação era tão crítica que não se tinha notícia de açudes com reservatório de água, já no meio do ano.

A perspectiva era de tristeza e angústia pela incerteza de chuvas para tão breve e pela notícia de que as reservas de víveres estocadas em Canto do Buriti e ltaueira chegaram ao fim. Passamos, então, a receber farinha do estado da Bahia, sendo embarcada pela estrada de ferro Leste-Brasileira para Juazeiro, de onde passava para os vagões da via férrea Petrolina — Teresina, até Afrânio, seguindo daí em costados de jumento para São João. Arroz, nem se falava. Só aparecia na mesa dos ricos. A comida dos pobres era feijão com farinha, temperado com sebo ou tutano de vaca, às vezes em mistura com o peixe da lagoa.

Os pessimistas não acreditavam em chuva antes de janeiro do ano seguinte, pois a adversidade faz crescer o desânimo e aumentar a falta de esperança, mas os otimistas, que sempre os há nessas ocasiões, esperavam que viessem cedo as primeiras águas. Os devotos continuavam a rezar e realizar novenas e promessas aos santos de sua preferência, pedindo chuvas em abundância para aliviar o sofrimento generalizado.

O fim dessa história sinistra é que no dia 26 de setembro desse nunca esquecido ano de 1932 caiu uma enorme chuva em todos os recantos do então grande município de São João do Piauí. Não havia pluviômetros por aqui, mas a precipitação pluviométrica foi tamanha que encheu e fez sangrar os maiores açudes da região. O desafogo foi geral e as rezas e novenas continuaram. Agora de agradecimentos aos prestigiosos santos que mandaram a festejada chuva.

A surpreendente chuva do dia 26 de setembro alegrou os ânimos e fez restabelecer a confiança da população, de dias melhores, mas não encerrou a campanha dos devotos de São João velho, que continuaram reivindicando seu retorno ao trono. O padre José Maria Leau, todavia, não se afastava de sua posição, negando-se a ceder às pressões, que considerava fanáticas e supersticiosas.

A causa não era, porém, movida por fanatismo, nem superstição. Tinha origem nos ensinamentos da própria igreja do passado, escorada na crendice popular, que alimentava o culto exagerado das imagens. Ainda hoje se veem pessoas entrar na igreja e visitar os altares de diversos santos, fazendo prece a cada um deles, conforme as suas devoções e necessidades. Pois bem, São João velho é quem representava a população católica do município, que não queria transferir para outra imagem o afeto, a confiança e os sentimentos de um arraigado amor filial. Continuou, por conseguinte, a luta reivindicatória do restabelecimento do seu reinado.

Com a chegada do Padre Jerônimo Marcos (1936), o caso seguiu outra direção. Ao entrar em contato com os paroquianos, inteirou-se das divergências provocadas pela substituição da imagem, deixando-o curioso e interrogativo. Ao viajar pelo interior do extenso município, passou a conhecer melhor os detalhes do episódio e sentiu a radicalização existente. Interessou-se pelo assunto na tentativa de encontrar uma solução que levasse os católicos a ter uma posição unificada. Não lhe interessava, como vigário, e muito menos ao santo padroeiro, a rivalidade e disputa que grassavam entre os dois grupos.

Começou, então, a trabalhar nesse mister até encontrar um denominador comum que conduzisse, como de fato conduziu, ao consenso geral, sem melindres para qualquer das partes. Mandou desenterrar a imagem sepultada, como se fosse uma ressurreição, fez pintá-la de novo, como se fosse de roupa nova, deixou-a em exposição na casa paroquial para receber visitas e declarou que ela seria levada à igreja em altar especial, sem incomodar a imagem do santo novo, que permaneceria, como de fato permaneceu, em seu altar.

Comunicou, ainda, que ficava instituída uma espécie de governo parlamentar. O santo novo com o reinado e o velho como primeiro ministro, com o direito de sair no andor das procissões.

Marcou um dia da próxima festa de junho para a solenidade de rebatizar o santo ressuscitado. Abriu um livro de inscrições para assinatura dos padrinhos e madrinhas, com a contribuição de cinco mil réis.

No dia aprazado, formou-se a enorme procissão de fiéis, todos de vela acesa nas mãos, à frente dos quais a garboso e vitorioso São João Batista velho, que na pia batismal recebeu das mãos do Padre Jerônimo as águas lustrais do santo batismo, entre os cânticos da multidão entusiasmada.

A partir desse ano de 1938, até 1997, durante as procissões da festa de junho, São João Velho percorre as ruas da cidade, carregado em andor pelos seus súditos e fiéis, para contento de todos, em consequência do acordo firmado por Padre Jerônimo, como vigário, e os fiéis.

No ano de 1998, São João Velho foi substituído pelo novo, que desceu do trono, no dia 24 de junho, subiu num carro aberto e desfilou pelas ruas.

Que houve? Quem rompeu o acordo? Consta que foi o Padre Francisco Barroso, chegado recentemente para a função de vigário coadjutor, com porte de primeiro ministro.

Você, prezado leitor, está de acordo com esse desacordo? Eu, da minha parte, faço minha fé em São Joáo Velho, de quem tenho a honra de ser padrinho.

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Notas da Organizadora:
Esse relato resulta da montagem de dois comentários sobre o tema.

Em 1999 o santo velho volta ao andor da procissão.